Nota do dia de hoje que pode ser qualquer dia
Apesar de
tudo, ela ainda se alimentava, sentia fome, gostava dos cheiros, tinha sede de
algo que não sabia direito o que era e de onde viria, mas tinha sede, sentia
fome ainda e por isso buscava. Dormia e acordava todos os dias movida por essa
busca, por essa sede, por essa fome. Hoje, como vários hojes iguais, escolheu
um prato pra depositar seu alimento. Da montanha de louça suja, sabe-se lá de
quantos dias amontoada sobre a pia, a mesa e qualquer lugar onde se pudesse
colocar um copo, um prato, um xícara, uma panela, desse amontoado de louça,
quase toda louça da casa, escolheu um prato de vidro azul. Talvez pela
transparência azulada, talvez pela forma pequena, talvez porque era o primeiro
da pilha e estava na direção da torneira. O armário estava vazio. Nele não mais
pratos.
De olho no macarrão amanhecido,
temperado com um galho de manjericão, sentiu aquela fome de todos os dias. Pegou
o prato azul translúcido, ainda com as marcas da refeição de ontem e sem
cerimônia, deu uma passada por debaixo da água, assim, de raspão, num rompante.
Passou o prato no jato de água, com as duas mãos, como uma peneira dançou o
prato pra lá e pra cá. Foi o maior movimento do dia. Depois, balançou o prato
pro excesso de água escorrer e ali mesmo, num único movimento, encheu a
espumadeira do macarrão e depositou no prato. Esquentou no micro-ondas por
menos de um minuto. Dispensou o queijo ralado. Matou a única fome que pode
matar no dia. Depois, levantou-se do sofá onde fazia regularmente suas
refeições, tomou um copo de água com o prato vazio ainda em uma das mãos.
Dirigiu-se a qualquer espaço ainda vazio de louça suja e ali deixou o prato e o
copo, vazios...
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