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Sonhar é preciso, nem que for sonho de padaria...

Nem uma coisa nem outra, o que há entre elas é o que me encanta

domingo, 26 de julho de 2009

Ensaio sobre comunicação e solidão (inconcluso)

O mais profundo é a pele
Paul Valéry



Debaixo da pele o corpo é uma fábrica de ferver
Antonin Artaud


Toda comunicação humana começa e termina no corpo
Harry Pross





Acabei de ler um ensaio no qual Maturana (1999) dizia que o emocionar e o linguajar, anteriores à espécie humana são características de nossa humanização e que a emoção e a conversação são, portanto, os componentes do homem como sistema nervoso desenvolvido e de sociedade como solução de sobrevivência do humano.
O mesmo Maturana define conversação como “um dar voltas juntos de tal forma que todos os participantes passem por mudanças estruturais não triviais até que um homomorfismo comportamental seja estabelecido e a comunicação ocorra”.
Duas linhas abaixo, vejo então, o que eu gostaria de ter escrito, nas palavras do nosso Paulo Freire. Disse ele que as relações pessoais estendem e amarram a emoção, a conversação e o pensamento ao sujeito e à própria humanização, pois, “O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar um objeto” e que esta co-participação se dá na comunicação.
Num abrir e fechar de olhos, quase instantâneo, deparei-me comigo, aqui, em pleno século XXI, na efervescência incontestável da comunicação e neste ir e vir, decidi divagar e co-pensar: em que pé estão as relações pessoais hoje? Como as pessoas conversam, se comunicam, se relacionam, enfim?
A primeira idéia que me vem é a de que atualmente sofremos ou gozamos de uma abundância, um excesso de comunicação, proveniente obviamente da fartura de mediadores tecnológicos e suas irresistíveis ferramentas.
Tornou-se muito fácil e muito cômodo encontrar pessoas, lugares e falas, até há bem pouco tempo muito distantes de nossos contextos individuais. Paradoxalmente a estes encontros, no entanto, parece que o fomento a estas buscas tornou-se uma pista do que começo a perceber como uma possível ou até mesmo, visível escassez de percepção de si e do outro, uma vez que parece que nem mais preciso de uma pessoa física, de sentidos e olhares para me relacionar.
Inicia-se, desse modo, uma corrida maluca por atenção, por um carinho, por um trato, por um olhar qualquer em uma estrada dupla: com atalhados virtuais e com caminhos reais. É óbvio que um está no outro, no entanto, parece que a opção pelo contato virtual tornou-se algo mais próximo, imediato e por isso, ‘hoje’, aparentemente mais real. Talvez porque seja esta, a realidade que por já estar pronta, mais se aproxime do ‘olhar’, também ‘pronto’ deste nosso século.
A questão é que, com olhares e mundos já conclusos, resta-me apenas, a adequação e com os olhos destreinados, corro o risco de cegar. Assim, porque já estou acostumado a aceitar ou deletar, a pessoa a meu lado (aquela com quem eu converso até mesmo para ligar o computador ou fazer a manutenção) tornou-se menos importante, dispensável até.
Então, começo minha viagem pelos links todos e pelos chats e pelos sites de relacionamentos, enquanto não percebo que procuro incansavelmente por um “outro” que me toque, que me veja, que me saiba e o que era para ser o “mediador” desta minha busca, passa a ser o “objeto” da relação estabelecida.
Essa corrida desenfreada por alteridade revela, a meu ver, o quanto ausente estamos de nós e o quanto precisamos nos achar, nos relacionar, e ainda, o quanto esquecemos que isso só é possível com um espelho que nos reflita, com um outro que nos revele e que nos faça existir, mesmo que não fale nossa língua, nosso idioma, mas que fale, se expresse, se sinta e que se veja em minha imagem refletida, também o espelho de sua existência.