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Sonhar é preciso, nem que for sonho de padaria...

Nem uma coisa nem outra, o que há entre elas é o que me encanta

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Nota

Nota do dia de hoje que pode ser qualquer dia
            Apesar de tudo, ela ainda se alimentava, sentia fome, gostava dos cheiros, tinha sede de algo que não sabia direito o que era e de onde viria, mas tinha sede, sentia fome ainda e por isso buscava. Dormia e acordava todos os dias movida por essa busca, por essa sede, por essa fome. Hoje, como vários hojes iguais, escolheu um prato pra depositar seu alimento. Da montanha de louça suja, sabe-se lá de quantos dias amontoada sobre a pia, a mesa e qualquer lugar onde se pudesse colocar um copo, um prato, um xícara, uma panela, desse amontoado de louça, quase toda louça da casa, escolheu um prato de vidro azul. Talvez pela transparência azulada, talvez pela forma pequena, talvez porque era o primeiro da pilha e estava na direção da torneira. O armário estava vazio. Nele não mais pratos.

De olho no macarrão amanhecido, temperado com um galho de manjericão, sentiu aquela fome de todos os dias. Pegou o prato azul translúcido, ainda com as marcas da refeição de ontem e sem cerimônia, deu uma passada por debaixo da água, assim, de raspão, num rompante. Passou o prato no jato de água, com as duas mãos, como uma peneira dançou o prato pra lá e pra cá. Foi o maior movimento do dia. Depois, balançou o prato pro excesso de água escorrer e ali mesmo, num único movimento, encheu a espumadeira do macarrão e depositou no prato. Esquentou no micro-ondas por menos de um minuto. Dispensou o queijo ralado. Matou a única fome que pode matar no dia. Depois, levantou-se do sofá onde fazia regularmente suas refeições, tomou um copo de água com o prato vazio ainda em uma das mãos. Dirigiu-se a qualquer espaço ainda vazio de louça suja e ali deixou o prato e o copo, vazios...

sábado, 3 de maio de 2014

Leve Tudo (Eva Rocha e Manoel Lucena Mesquita Jr.)

Não entre na minha casa! 
Deixe em paz minha riqueza! 
Mas se entrar leve tudo 
O que está posto sobre a mesa: 
Meu coração, minha vida. 
Meu sonho e cada noite invertida

Só deixe aqui minha tristeza,
Que é dela que me vem o ar,
E todo o meu alimento
Deixe em paz essa ferida 
Que não tem mais cabimento
O meu amor foi embora
Levando junto o meu sorriso,
Agora, todo passo indeciso, 
Só o nada já se faz e nele resiste
Cada esboço de alegria
Um parir dilacerado, entranhado
Numa dor que traz à luz só verso triste

Por isso não entre na minha casa! 
Deixe em paz minha tristeza! 
Mas se entrar leve tudo 
O que está morto sobre a mesa

quinta-feira, 1 de maio de 2014

ferida

ferida que os segundos arrancam a casca
visível ou profunda
cicatriz... 
há sempre uma marca do tempo em nós
às vezes dói, 
outras só um triz
noutras
ferida que os segundos arrancam a casca


desvio

não raro, 
a incompetência de cuidar de si, 
conduz ao cuidado exacerbado do outro,
é um desvio, não raro.

verbo

e o verbo fez-se verso
fez-se verve 
desfez-se todo em poesia

plenos?

muitas vezes assim inteiros de nós, plenos
sem mais nem menos
é que sucumbimos de nós mesmos

dor

nem vou te falar de minha dor
ardor...
ardida
adormecida
dor amanhecida
nem vou te falar

broto

Porque meu corpo é grão que brota no chão de minha alma
minha alma colo permanente, 
berço pronto pra semente adormecida despertar
brotemos!!!