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Sonhar é preciso, nem que for sonho de padaria...

Nem uma coisa nem outra, o que há entre elas é o que me encanta

domingo, 7 de novembro de 2010

Capítulo por capitulo (a intenção é narrar algo que seja forjado aqui, neste espaço, e depois a gente decide o que fazer dos escritos). Por favor comentem e sejam co-autores dessa história.

Vinte anos. É a idade que tinha quando foi mãe e a idade que a filha tem hoje. Duas décadas atrás, o medo, a fragilidade, a insegurança, entre outros sentimentos que causavam dor e angústia, misturavam-se à expectativa do novo, do belo, do inesperado (mas sempre adivinhado) desejo de maternidade. Já na adolescência sabia desse destino dado ou desse sonho de ser mãe. Não. Não pelo fato de brincar de bonecas, até porque, não havia bonecas na sua infância, ao menos estas com ares e olhos e bocas e jeitos de seres humanos. É verdade que milhares de espigas, de todas as gerações, habitavam um milharal tal qual mesmo uma família e ali havia companhia de sobra nas várias personas distintas mesmo pelo tempo que era visível pela cor da roupa (palha) que vestiam e pela tintura do cabelo.
Coisa linda é um milharal, já viu algum? E as marcas do tempo desenhadas em cada pé, nas dezenas de espiguinhas, antes embrião de três grãos apenas e que hoje multiplica-se abraçados no tronco macio, verde-escuro, firme e acolhedor do pé de milho. É assim na comunidade dos milhos. Ainda em potencial, o desejo de vingar se manifesta já em três pessoa e em trio são deixadas no que será seu destino, seu curso, sua caminhada pelo tempo contemplando fases, tardes, cores, nascimentos, crescimentos, perdas até, a interferência do clima, da erva-daninha, dos predadores... sua vida enfim, que com todos esses predicados, não pode ser fim... o fim, transfigura-se assim no milho como no homem como o começo. É na semente que mora a vontade de ser milho e é no grão (outrora semente) que esta vontade é personificada, consumada. Agora grão, o milho pode ser vários: polenta, bolo de fubá, quirera, curau, pamonha, milho assado, milho cozido, sopa de milho e por aí vai... transfigurando-se em alimento e participando, como é do destino do milho, de muitas vidas... O mesmo grão, que fora semente, espiga, alimento e sabugo, volta a ser semente e inicia outro ciclo de vidas.

Quando finalmente consegui comprar um terreno, o fiz pensando mais no tamanho do terreno e na qualidade da terra do que na casa propriamente dita. Apesar de sonhar junto com meus filhos, todos os dias, com uma casa que fosse nossa. Com nossas alegrias, com nossas tristezas, nossas brincadeiras, pois éramos mesmo três crianças, brincando de ser gente grande (acho que daí se origina nossa capacidade de sustentação nesse mundo capital), enquanto tudo ao nosso redor sinalizada para sofrimento, peleja sem esperança, fracasso mesmo, já que somos uma família formada por três pessoas, sendo a mãe, divorciada, sem curso superior, tendo que sustentar sem o apoio algum da família dois filhos. Não. Não tínhamos casa mesmo. Graças à minha facilidade em lidar com as pessoas, fui de cara trabalhar no comércio e era feliz assim. Já divorciada, com uma criança de três anos e a outra por nascer, ainda não tinha casa pra morar. Até voltei pra casa de meus pais, mas se soubesse da dor que seria esse regresso, jamais o teria feito. Minha inocência não me deixou saber que ao retornar para a casa de meus pais, não era mais a mesma filha que voltava. Aquela moça solteira, estudiosa, brincalhona e de quem todos gostavam, parece que havia morrido e dado lugar a outra que eu jamais conheci. Foi uma recepção dolorosa, dilacerante, sofrível que só fui percebendo com os dias. Mais por parte da mãe do que do pai, aliás, o pai ficou muito feliz quando regressara às suas asas, acho que pra ele, a filha que voltava ainda era a sua filha que apesar de ter se aventurado pelas via do casamento e de seu fracasso e adentrar àquela casa onde tinha crescido, agora com dois netos, não perdera o que havia aprendido.
Mas para a mãe, não era assim, e a convivência era insuportável, desonesta, covarde e cruel. Que pena, podia ser bonito, pois agora com ares de maturidade, seria tudo mais fácil... ao menos deveria ser, mas não o foi. Essa relação dolorosa cravou no peito muita dor e decepção, mas também imprimiu uma força, uma resistência, uma resignação, que foram os temperos essenciais para a luta e sobrevivência desses três seres uns largados nas mãos do outro, ainda que disso só sabia mesmo a mãe...
Quantas noite, por falta de privacidade e de carinho mesmo, a menininha de três anos, quando ia se deitar com a mãe que trazia o seu irmãozinho na barriga, trazendo um arzinho de tristeza mas também de esperança, rezava com a reza que sabia fazer: “Papai do céu, muito obrigado por dia, eu amo minha mãe, meu pai e meu irmãozinho. Amigos para sempre. Eu quero uma casa rosa, com telhado e quintal de balança”.
Assim, junto com o sonho dela, eu só podia mesmo querer uma casa com quintal. E tendo esse desenho na cabeça, nós saímos todos os dias, nós três, pra pegar o ônibus cedinho e ir de uma cidade à outra travar nossa luta pra conseguir nossa casa rosa de telhado e quintal. Era uma alegria só. Sempre correndo pra não perder o ônibus, já subíamos direto no banco mais alto e íamos cantando todas as musiquinhas da escolinha lá do alto, sem nem ligar pro povo com cara de sono e com o espanto com que nos encarávamos. O repertório passava de “Borboletinha, ta na cozinha, fazendo chocolate para a madrinha”, “Pombinha branca que estás fazendo.... pro casamento” e quando estas cantiguinhas acabavam, a gente arriscava coisas do meu repertório de MPB mesmo. Mas nunca chegávamos ao fim da linha sem uma música. Ela ficava na escolinha e eu e o moleque seguíamos para a loja...

Com a renda do comércio, consegui bancar nossa vida sozinha e depois que o menino nasceu, em Outubro, finalmente conseguimos alugar uma casa só nossa. Foi lindo!!! Mas esse episódio do nascimento merece alguma atenção, afinal, é parte também da luta pra conseguirmos um pouco da sonhada liberdade em uma casa nossa.
CONTINUA...

13 comentários:

  1. No primeiro parágrafo, especialmente na transição da "menina pro milho", senti falta da cor que me fez chorar nas musiquinhas da escola.
    Na apresentação do milharal senti o cheiro do milho e a secura dos cabelos "cor de palha" das crianças. Adorei!
    A volta pras asas do pai e a falta do colo da mãe, quase me fizeram postar o tel de um colega analista aí da região. Mas depois desisti porquê pensei que se vc o procurasse esse "isso" que vem desabrochando não teria mais razão de ser.
    E para o próximo episódio, o menino parido, parindo a casa nova "só nossa". Vai ficar lindo!
    Grande beijo!!!
    Karina Mesquita

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  2. Adorei... Acho que já temos um título para o próximo episódio: "O menino parido, parindo a casa nova" Será???

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  3. Um romance sobre uma mulher que lutou sozinha pra criar seus filhos é um recorte do retrato do Brasil e suas minorias discriminadas. Parabéns pelo texto. Aguardo o próximo capítulo dar a luz ao menino e a casa.

    Ps: Apesar de concordar com Rilke :"Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, - seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera". Eu farei, não uma crítica, mas uma observação: acho que, talvez por ansiedade, as coisas estão acontecendo rápido demais. Senti falta de passagens mais descritivas ou que explorassem o espírito, o coração e até mesmo a fisiologia das personagens

    Beijos!
    Samuel.

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  4. Obrigada Samuel, a intenção é exatamente essa, a de tecer um texto em co-autoria...Críticas são e serão muito bem-vindas. Como tudo está ainda em construção, farei o possível para controlar a ansiedade e não deixar escapar os detalhes (de corpo, alma e ambiente)... obrigada novamente e continue participando desta história...
    um beijo

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  5. Oi Eva, é uma honra pra mim ser co-autor desta história, afinal fui seu aprendiz e ainda quero ser como você quando crescer. Se tudo der certo vou mudar de curso ano que vem ( de psicologia pra letras). Já fiz o enem e acho que fui bem, mas talvez a prova seja anulada. Bom, só resta aguardar...
    Beijos!
    Samuel.

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  6. Bom, em pelo menos uma coisa eu e o Samuel concordamos: também quero ser como você quando eu crescer...
    No mais: lágrimas e nó na garganta.
    Beijo.

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  7. Eva, vamos lá. Não se farei o que vc espera. Primeiramente, notei uma mudança de pessoa - terceira no primeiro paragrafo para primeira no segundo paragrafo. Me fez pensar em dois textos diferentes. Essa ideia de jogo de pessoas me pareceu interessante: brinca-se com a pessoa (personagem). No primeiro instante me pareceu estranho. Depois reli. Creio que seria legal fazer isto em dois capitulos de diferentes: numa pagina a terceira pessoas (o narrador é vc falando de alguém: a moção-mãe). Na outra pagina: o de primeira pessoa (o narrador muda, é a personagem falando dela mesma). Será que é isto?
    Gostei muito da pintura do milharal e da relação semente-grao-comida(bolo)-morte-semente. Como eu vivi em canaviais (e não milharais) senti falta do vento e do cheiro de verde e terra). Gostei da ideia de falar do milharal como comunidade uma analogia à nossa sociedade (de humanos). Na verdade o primeiro paragrafo trabalha com a figura da analogia. Acertei?
    No segundo paragrafo. Gostei da coisa da mãe-filha. Se posso pitacar ... em um castelo não cabem duas rainhas. Gostei do acolhimento do pai (nem sempre isso acontece, mas eu gostaria que sempre fosse assim). Discordo da adjetivação do divórcio como casamento fracassado. Um divórcio pode ser o sucesso de um casamento. Não gosto do pesar que se dá ao divórcio,em muitos casos, ele é redenção. Isto dá à nossa (sua!) personagem um papel de vítima. Ele é vitima? Ou senhora de seu destino?
    ......
    pelo amor de deus não me mate e nem deixe de ser minha amiga depois desses pitacos.

    Ah,me diga, como surgiu essa ideia de texto coletivo? O que pretende fazer com isso?
    Se vc quiser ter uma ideia do jogo de diferentes tempos (no seu caso pessoas de tratamento=personagem), dê uma espiada no livro: O livro perdido das Bruxas de Salem, de Katherine Howe. Ela trabalha com dois tempos: seculo 17 e século 20. Para isso, uso o termo interludio. Legal?!
    beijins
    Fátima

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  8. Eva, essa história me fez voltar a alguns bons anos, eu menina e eu mãe, também aos 20. Fico grata pelo convite de fazer parte dessa história que começa muito bem, você consegue prender a atenção do leitor. Quero mais!

    beijos, Neide

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  9. Para uma biografia com dimensão de uma ontologia, (se é o que "ontobiografia" significa... *rs) sinto que precisaria se aprofundar nos mitos que parecem querer ter voz aí dentro de vc...
    Seu leitor não sabe quem vc é... Tá pouco preocupado com suas questões pessoais...
    De um certo modo tudo é difícil para todo mundo...
    O que sofremos ou deixamos de sofrer não nos faz mais ou menos humanos!
    Mergulhe ainda mais... Vá mais fundo...
    Vc está em águas claras, rasas, previsíveis...
    Se o seu objetivo é extrair e destilar destas experiências o que há de humano em você fuja dos significados! Não caia nesta armadilha!
    Falta neste texto considerar a imensa, profunda e irreversível indiferença do Ser Humano médio que "lê" o que você escreve... Pra quem é seu texto? A que ele vem? Que consciência ele traz?
    Fazer este questionamento é importante para que você afine sua linguagem e atinja seus objetivos...
    Afinal, a sua ou minha biografia é povoada de dramas e melodramas mais ou menos previsíveis e equivalentes... Mas a dimensão ontológica do que há de humano por trás de nossas histórias esta um nível além... Beirando os limites da sua humanidade... Caindo no vácuo do que é incerto, indo além do condicionamento, da alienação, do significado, saindo da visão passiva para a visão CREATIVA... Trazer a essência à existência, como diria o filósofo! *Rs
    Aliás, falando em citações, "Palavras são testemunho de uma ausência!" e nossas auto-biografias estão cheias delas!
    Mas o que te preenche? O que te transcende? O que te recria? O que te faz ir além de você?
    A Arte está em transformar estas respostas, muitas indizíveis, em uma obra digna de ser lida... Ou, em outras palavras... Extrair do caos um todo orgânico que possa se destacar sobre este fundo de retalhos harmonicamente arrumados em sua página, previsíveis, sem alma!
    Sabemos da maçã que comeu! Mas onde está a alma de Eva?

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  10. Para uma biografia com dimensão de uma ontologia, (se é o que "ontobiografia" significa... *rs) sinto que precisaria se aprofundar nos mitos que parecem querer ter voz aí dentro de vc...
    Seu leitor não sabe quem vc é... Tá pouco preocupado com suas questões pessoais...
    De um certo modo tudo é difícil para todo mundo...
    O que sofremos ou deixamos de sofrer não nos faz mais ou menos humanos!
    Mergulhe ainda mais... Vá mais fundo...
    Vc está em águas claras, rasas, previsíveis...
    Se o seu objetivo é extrair e destilar destas experiências o que há de humano em você fuja dos significados! Não caia nesta armadilha!
    Falta neste texto considerar a imensa, profunda e irreversível indiferença do Ser Humano médio que "lê" o que você escreve... Pra quem é seu texto? A que ele vem? Que consciência ele traz?
    Fazer este questionamento é importante para que você afine sua linguagem e atinja seus objetivos...
    Afinal, a sua ou minha biografia é povoada de dramas e melodramas mais ou menos previsíveis e equivalentes... Mas a dimensão ontológica do que há de humano por trás de nossas histórias esta um nível além... Beirando os limites da sua humanidade... Caindo no vácuo do que é incerto, indo além do condicionamento, da alienação, do significado, saindo da visão passiva para a visão CREATIVA... Trazer a essência à existência, como diria o filósofo! *Rs
    Aliás, falando em citações, "Palavras são testemunho de uma ausência!" e nossas auto-biografias estão cheias delas!
    Mas o que te preenche? O que te transcende? O que te recria? O que te faz ir além de você?
    A Arte está em transformar estas respostas, muitas indizíveis, em uma obra digna de ser lida... Ou, em outras palavras... Extrair do caos um todo orgânico que possa se destacar sobre este fundo de retalhos harmonicamente arrumados em sua página, previsíveis, sem alma!
    Sabemos da maçã que comeu! Mas onde está a alma de Eva?

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  11. "a filha que voltava ainda era a sua filha que apesar de ter se aventurado pelas via da independencia e de seu fracasso e adentrar àquela casa onde tinha crescido (ciganamente), agora com sentimentos mais a flor da pele,uma mulher ainda mais forte... não perdera o que havia aprendido...mas sabia que não era aquilo..."

    Sim... essa sou eu...

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    ...prosa e pausa para um pranto...
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    ...sim, minha amiga, alguns nós precisam ser desatados lentamente, para que nossos olhos possam perceber por onde a corda (re)passa, para termos tempo de mastigar com os olhos as cicatrizes que o nó deixou... ...gosto de prosa, mas gosto mesmo é de poesia... ...gosto do que não se explica, daquilo que se permite... ...dê-nos a chance de afrouxar esses nós com você, permita-nos des-entretecer as redes do seu pensamento... ...mais milhos e mais frutos desse quintal...
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    ...lindo o comentário da Kar Mesq...
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    ...parabéns neguinha e bjs.

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  13. Linda Eva! Não vim aqui p'ra continuar a história, mas, apenas para dizer o que sentí. Quando vc começa falando do milharal retornei ao "CANTARES", com aquelas cantigas de roda...relembrando...as galinhas comendo os caroços de milho que saltitavam das espigas...Depois me achei na história! Uma mulher separada , com um filho e voltando para a casa do seu pai! O retorno! Putz...Só diferem as reações e comportamentos, nossos e dos outros para conosco! OH! relaçãozinha complicada mas que nos faz crescer mais e mais... Vimos muito isso por aí...em ambos os sexos,né? É aí que a história se torna comtemporânea...Atualíssima...Continue Eva! Voltarei para ler!
    Obrigada e Bjo

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